quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Uivo nas Sombras


Autor: Álisson Zimermann

Ouço aquele uivo. Um uivo que parece percorrer minha espinha de uma ponta à outra. Até o último fio do meu corpo parece levantar-se para ouvir aquele som agudo ao longe nas montanhas.
O som das poucas madeiras que consegui recolher crepitando no fogo dão um visual muito mais do que sombrio, banhado pelo anoitecer dessa lua cheia. O desfiladeiro ao longe marca o local da passagem que eu deveria chegar em 3 dias de caminhada, mas a realidade me mostrou que não devo confiar em previsões. Estou aqui sentado, segurando um pedaço de metal, cozinhando um pequeno coelho raquítico que consegui pegar pouco antes de escurecer. O cheiro já começa a fazer efeito. Escuto um número cada vez maior de passos ao redor de mim. Mesmo sem conseguir vê-los, sei que estão lá. Consigo praticamente sentir o calor das suas respirações. Começo a suar frio. Aquele uivo. Não parece normal... Esses demônios peludos geralmente emitem um som mais agudo, mas esse foi diferente, foi como uma sentença. Estaria ele tentando me distrair? Ou até quem sabe me avisar do que estava por vir, ou talvez apenas fazer meu sangue gelar.

Um vento frio começa a soprar nesse instante. Seria coincidência? Nessa região às vezes ventos implacáveis insistem em soprar à noite, fazendo até o mais caloroso dos homens procurar um abrigo dentro de algum caverna formada pelo esquecimento do tempo em alguma pedra, ou a pele de algum animal morto em caçada, que possa o manter aquecido.

Aquele uivo. Não consigo tirar da minha cabeça. A hora está chegando e finalmente irei confrontá-lo. O assassino frio que acabou com tudo que eu mais amei na minha vida.

Dias atrás, em uma tarde não tão distante, eu decidira ficar alguns minutos a mais no Saloon bebendo por mais um dia cansativo de trabalho, o que foi meu erro. Talvez tivesse conseguido chegar a tempo de salvá-las, ou quem sabe não apenas o rastro de sangue no chão e sim ao menos os corpos. Quisera o destino que nem isso eu conseguisse ver mais uma vez.

Espanto esses pensamentos, não poderia sucumbir agora que estava tão perto. Pelo que pude notar nem precisaria chegar até o desfiladeiro afinal ele me encontraria antes. O gosto da vingança me fez por muitas madrugadas lamber os próprios lábios. Como eu pude deixar que isso acontecesse.

Ainda guardava na minha memória a ultima vez que vi minha pequena correndo para os meus braços, seus gritos de ‘papai’ com aquele pequeno vestido balançando como o farfalhar das folhas no outono, e minha amada na porta de casa, me olhando sorrindo. O sorriso mais lindo que já vi em toda minha vida, mas também o mais enigmático. Ela estava preocupada... Sabia que estava! Estaria ela pressentindo?

Consigo os sentir cada vez mais perto, enquanto mais um uivo corta o silêncio da noite. É chegada a hora. Aliás, a hora provavelmente já tinha passado, a coragem me impedira de fazer essa travessia antes. Por que ainda não tinha atacado? Estaria ele aguardando o melhor momento? Talvez me vencer no cansaço. Isso não ia adiantar, não estava em meus planos entregar-se. Não depois de tudo que ele me arrancou.
Algumas cabras, ovelhas, umas vacas, os lobos geralmente atacavam e matavam apenas o suficiente para alimentar-se, o xerife ainda disse que não tinha certeza absoluta, mas eu sabia, tinha visto pelo vidro aqueles pêlos, aqueles olhos me observando como se risse da minha desgraça. Eu sabia... SABIA!
A lua está bem no meio do céu. Não tenho muito a noção de horas, mas sei que já é bem tarde e logo esse pedaço de carne irá tornar-se um bolo de cinzas, terei que sair para caçar mais algum animal, mas talvez quando isso acontecer tudo já estará terminado. É uma pena que a dor que carrego comigo não irá terminar tão cedo. Consigo escutar as pequenas pedras voando ao longe em cada passo que os capangas peludos dão, aproximando-se cada vez mais.
A hora está chegando, a hora do confronto. O momento em que sonhei cada minuto dos últimos dias. Sinto seu cheiro, o cheiro podre que exala dos seus caninos matadores. Sinto o toque dos pêlos dele a cada sopro do vento.
Então o avisto, vindo em minha direção. Um trançar de patas inconfundível. Levanto-me. Um pingo de suor desce rolando pelo meu rosto e cai no chão. Mesmo no frio a adrenalina vai aumentando a cada segundo nas minha veias.
Então ele se aproxima, correndo como se eu fosse a última fatia de carne que ele irá saborear pelo resto da sua vida. Então ele faz seu salto, ao mesmo tempo em que puxo minha adaga da bota. Quando aqueles dentes ensanguentados se abrem em minha direção desfiro um golpe, apenas um. Não preciso mais nada além disso.
Vejo o sangue em minhas mãos. Tenho certeza que abri o estômago dele, mas, onde está o corpo? - Onde está aquele maldito? - saio para procurar esbravejando, porém ao dar o primeiro passo sinto uma dor indescritível.
Ajoelho-me.
Olho para o chão e percebo uma poça de sangue, um sangue fresco, o mesmo que está em minhas mãos, e na minha camisa. Mas, espere...
Outra pontada. Uma dor mais forte e incontrolável invade meu corpo. Coloco a mão no abdômen. Mais sangue. - Não pode ser -. Minha faca... - Onde está ela? - Argh. Acho que a encontrei, e não é pra menos que sinto esta dor.

Retiro a faca cravada no meu próprio estômago. - Como pode – argh, meus joelhos já não estão aguentando o peso. Sinto o sangue escorrer pela barriga até regar em vermelho o chão onde em instantes, irei cair deitado.

Começo a me lembrar... Sei bem o local aonde as enterrei. Mas não é possível, eu vi aqueles olhos, eu toquei aqueles pêlos fétidos.
Pêlos? Realmente os vi?
- SIM! -

A imagem de minha amada nos meus braços torna a passar pelos meus olhos, ensanguentada. Seu corpo já sem vida, ao lado da minha pequena, da mesma maneira. Mas ela ainda está com a faca cravada no peito. Ouço ruídos. - Alguém vem aí -. Preciso enterrá-las.

Trabalho feito, diga-se de passagem. - E esse sangue? - Não vou conseguir esconder. - O que fazer? -

Saio gritando. – Por favor, alguém me ajude – Dariam eles atenção a um bêbado? Eu vi! Aqueles olhos, aquele rabo peludo. Malditos sejam esses lobos assassinos. Me desespero e chorando caio de joelhos no meio da rua. Eu ouvi, ouvi sim aquele uivo. Um uivo vindo das sombras...

Álisson Zimermann é quase Bacharel em Ciências da Computação na UPF – Passo Fundo; é escritor em início de carreira e tem seus contos publicados no Depósitos de contos. Tem participação nas obras “Sinistro 2: Contos de Terror” e “Bandeira Negra”.

3 comentários:

  1. Poxa.. eu adoro esse conto *-*... Blog legalzão esse teu heim? :D

    pena que é fake...

    Espero que teus leitores gostem da história..

    um abraço

    Álisson Zimermann

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  2. Vlw Alisson!
    Volte sempre!

    Dalila, ele eh d+ mesmo! uahauhauhau

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