quarta-feira, 9 de março de 2011

Memórias Cinza


Autor: Lucas Morone

De repente, abro os olhos. Estou sentado num banco de praça, numa praça que eu desconheço. Está frio, está pálido o céu. Vejo muito mato em volta, e alguns prédios ao redor. Começo a perceber um som constante no meu ouvido. Ele vai e vem. Não para. Um som metálico e enferrujado. Aquele som me desperta uma angústia, não entendo por quê. Não tem mais ninguém por aqui, eu estou sozinho, nesta praça, de baixo destas nuvens cinza. A única coisa que me acompanha é minha solidão e aquele som constante. Então eu tomo uma olhada ao meu redor. Logo ali perto, tinha um balanço. Logo ali, à minha direita. Estava a alguns metros de mim. Eu o via e via que tinha cores, mas não as via, pois meus olhos só podiam enxergar em preto e branco. E um dos bancos de madeira preso no balanço por correntes de ferro balançava. Não havia ninguém sentado nele, mas ele balançava. Eu estava no banco, sentado, apenas olhando. De repente senti como se uma mão quente me segurasse pelo pulso de minha mão direita. Aquela mão me segurava, mas ninguém estava ali. Alguma coisa me segurava. E então essa coisa que me segurava começou a me puxar, levemente, em direção ao balanço. Eu me levantei e me deixei levar. Devagar, essa coisa me puxava, e eu ia, e a cada passo que eu dava, sentia um frio crescendo dentro de mim. Eu chegava perto do balanço e aquele frio se mesclava com angústia. Eu estava de frente àquele balanço agora, e já não sentia mais aquela mão me segurando. Num lapso meu de visão, vi naquele banco que balançava, surgir uma criança. Era um garoto; e ele balançava ali no balanço com uma cara de tristeza, olhando profundamente para frente, para o nada. Aquela imagem, aquele som, aquele frio. Eu estava profundamente marcado com uma sensação de tristeza naquele local, vazio senão por mim mesmo, minha solidão, e aquele garoto triste no balanço.
E depois de algum tempo naquele balanço, eu o observando onde estava, ele chorou. Chorava sem motivo, sem razão, apenas chorava. Por certo tempo ouvi aquele choro ecoar na minha cabeça, com o som do balanço, indo e voltando, e o frio daquela praça em preto e branco. Mas então… O balanço parou. E o garoto parou também de chorar. Sua feição já não mostrava tanta tristeza, mas ainda não o via feliz. Então ele levantou sua mão e apontou para frente. Pude ouvir de sua própria boca: – Mãe... Eu não entendia, mas então olhei para trás; e atrás de mim, de frente o balanço, vi uma mulher de longos cabelos envolta em uma manta branca, ela era maravilhosa. E ela estava olhando para aquele garoto, sentado no balanço. Essa mulher dos longos cabelos estava triste também, e seu olhar era desesperador de tão triste. Nessa hora, aquela imagem me transformou, e eu já não conseguia mais sentir meu coração batendo no peito. Eu olhava para aquela mulher, a qual nunca olhava de volta para mim, quando então senti no meu pulso esquerdo novamente aquela mão quente. Desta vez, quando virei meu olhar, vi aquele mesmo garoto de pé ao meu lado, me segurando. E da mesma forma que antes, ele começou a me puxar, levemente, para longe dali. E eu o acompanhei para longe do balanço, eu olhava para trás e tudo parecia se esvair, eu já não conseguia mais ver aquela mulher maravilhosa ali parada de frente ao balanço. E o garoto me disse: – Não se preocupe, tudo terminará bem. E embora eu não entendesse ao certo o que ele queria dizer, comecei a me sentir acolhido. Novamente ele falou comigo: – Não chore por ela, não chore por mim, tudo acabará bem.
Eu começava a entender sem realmente entender. Olhava para frente, adiante, enquanto era levado pelo garoto, e eu podia ver logo a frente muita luz; uma grande parede de luz. Lentamente, o frio foi passando, e também foi a sensação de angústia, e quando me dei conta, já não estava mais sendo puxado pelo garoto, nada me segurava. Mas antes de prosseguir, eu parei, e me virei. Olhando para trás, tive a visão daquela praça, agora colorida, viva, com aquele lindo balanço colorido no meio, já não via mais nuvens ou prédios, e tudo estava quente. E na frente daquele balanço, estava o garoto ao lado da mulher, ambos me olhando e sorrindo. Pela primeira vez naquele lugar eu vi a alegria. E antes de tudo fosse tomado de luz, pude ouvi-la falando: – Está tudo bem, não nos esquecemos, nunca nos esqueceremos de você. E a luz me tomou. A luz então virou escuridão.
Eu abri meus olhos novamente. Com calma, percebi que estava deitado em minha cama, em minha casa. Acabara de acordar de um sonho estranho. Estava com um aperto no peito. Logo tive tempo para perceber o quão alegre a vida podia ser e não era. Eu me levantei e sentei no canto de minha cama, ao lado do criado-mudo. E enquanto sentia uma lágrima descer do meu olho, eu apenas olhava para um retrato, ali em cima do móvel, de minha mulher, grávida, e que morreu ao dar luz para nosso filho.

Agonia

Seus olhos, nos meus olhos, próximos. Sua face junto a minha, coladas, os olhos dela nos meus. Eu podia ver além deles, sentir o que ela sentia, e ela fazia o mesmo, trocávamos nossos sentimentos de dor, esperança, mútuos, um só, rezando. Mal podia dizer nada, ela, e talvez nem mesmo eu, ainda assim precisava ser forte. Minha força precisava estar nos meus olhos, e torná-la mais forte, e juntos seguir em frente. Mas talvez aquele não fosse mais o nosso tempo, juntos, de vivermos para sempre. Ela ainda me olhava, nos meus olhos. Sem dizer nada, eu lia em seu olhar os gritos de dor e agonia, já estavam se tornando desesperadores, insuportáveis. Eu apenas mantinha minha força, nada mais podia fazer.
Sentia uma mão sobre meu ombro, era a mão da saudade, pedindo que me afastasse, eu me recusava. Então em meu outro a ombro a mão do destino, e eu recusava. Até que então pararam de me puxar, e eu pude ver as mãos da morte, sobre os ombros dela. Ela lentamente, com lágrimas em seu rosto, fechou seus olhos, logo antes de me dizer – Eu te amo. Tive tempo apenas de por as palmas de minhas mãos sob sua cabeça e gentilmente deitá-la no chão. No chão onde ela permaneceu, do lado da morte, inabalável. Tudo que me cabia era voltar e encarar a saudade e o destino. E então andar com eles até o dia em que a morte voltasse, desta vez, para me levar consigo.

Lucas Morone é estudante, tem 17 anos, mora em Santos – SP e gerencia o blog Éons de Fogo.

Um comentário:

  1. Ae, Lucas. Bom texto. Gosto de contos profundos.
    -
    Mas acho que há muita repetição de palavras em alguns momentos e uma enxugada viria calhar.
    -
    Abraços.

    ResponderExcluir